sábado, 7 de novembro de 2020

Sonhos V (ou sei lá, perdi a conta)

 


Eu e Godinho éramos sobreviventes do apocalipse zumbi. Andávamos por aí em um grupo errante de sobreviventes, ceifando a vida de zumbis famintos e lutando contra outros grupos de humanos sobreviventes, enfim, o dia a dia de um apocalipse zumbi normal. Em um dado momento de muita adrenalina eu vi um amigo e pensei que ele estivesse ferido, mas quando me aproximei percebi, a tempo de conseguir fugir, que ele estava zumbificado e era tarde demais para salvá-lo. Ufa, essa foi por pouco. Nosso grupo então achou um ônibus e fomos embora nele. Nesse ônibus notei que a Lia tava sentada atrás da gente. Sem mais nem menos o ônibus pára e entram dois sujeitos, com sotaque nordestino, vendendo chapéus de palha (aparentemente ainda existia dinheiro e ele ainda valia alguma coisa. Chapéus de palha também). Mas calma aí, isso não é o mais absurdo. Não eram chapéus de palha comuns, daqueles que poderiam de repente ser até úteis numa situação dessas, pra proteger do sol e tals. Eram uns chapeuzinhos pequenos, mega-fofos, e umas casquetes lindinhas! A Lia comprou um muito bonitinho com a abinha irregular virada pra cima, e eu peguei um que parecia um mini-chapéu de chinês, mas com umas pérolas bordadas e uma pluminha branca. Aí eles falaram "mas o melhor está aqui" e abriram uma caixa onde tinha um montão de enfeites de cabeça, casquetes, fascinators, etc. "Olha esse aqui", e pegaram um alfinete de chapéu com um coelho estilizado super art decò (seria uma participação especial da Aline Coelho?!) e era a coisa mais linda do mundo! Tudo era super barato e compramos muita coisa! E por um momento até esquecemos que o mundo estava infestado por um vírus misterioso que transformava humanos em aterrorizantes zumbis sedentos de sangue.

MORAL DA ESTÓRIA: DIVAS SÃO DIVAS. Elas tem que divar, no matter what.

Boa noite.  

Arte: Zombie Pin Up de Rob Sacchetto 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 



Alma

convulsão

 

A vida é tão maior

E além

dessas quatro paredes

que me cercam

e me encerram em mim mesma

bem mais do que eu gostaria.

Encerram meu corpo

(E a alma em convulsão)

 

Confesso que o que tenho mais saudade

é dos abraços

Mas também tenho um medo danado

De não conseguir mais me soltar no mundo

De me fechar pra sempre nesse universo de brancura infinita

Paredes branco gelo, gélido concreto

Inferno de Sartre

Só que os outros moram TODOS dentro de mim

Que prendo eternamente na garganta

esse grito impossível.

 

Mente

confusão

 

Já há algum tempo que não faço ideia

Do que é fazer ideia

Existia um mundo lá fora, e a bem da verdade

Ele sempre foi inóspito

Mas aqui entre as quatro paredes

- branco gelo, gélido concreto-

Até que havia segurança e aconchego

Que eu podia chamar de lar

O lar de um abraço apertado

Eu podia morar naquele abraço

Protegido por quatro paredes

E tudo isso era tão cálido

Tudo isso era tão sólido

que as paredes ganhavam cor.

Hoje não dá pra saber

se estou pisando na areia molhada da praia em um dia ensolarado,

Ou tropeçando inexoravelmente

em direção ao abismo,

Ou só caminhando a esmo

Tateando no escuro

à procura de algum sentido onde talvez

não haja nenhum

(A mente, confusão).

 

E o tempo, ao invés de ajudar

De andar pra frente

Como sempre, inevitavelmente

(mesmo que fosse ilusão,

mesmo que talvez fosse apenas a minha percepção)

Agora apenas se mantém

em constante suspensão.

E eu acordo todo dia

nesse dia da marmota

 

Peito

combustão

E esta escrita agoniada

mariposas em revoada.


#carentena

 

 


Você - sim, você mesmo! - pessoa ultra-sensível, está como eu ainda mais sensível com toda essa situação que estamos vivendo?!

É uma pergunta retórica, obviamente.

Estou à beira das lágrimas o tempo todo, mas nem sempre é de tristeza não, às vezes é de emoção, às vezes raiva, às vezes até de amor, às vezes acho alguma coisa aparentemente banal tão ridiculamente bonita - uma música, um bouganville vermelho salpicado de borboletas amarelas e banhado pelo sol, o vôo de uma gaivota, meu filho se tornando cada dia mais adulto... e me permito chorar de beleza. Mesmo sabendo que há tanta feiura no mundo, a beleza é algo que me toca profundamente, e vira chaves e liga disjuntores e aciona válvulas no meu córtex cerebral. Rola uma festa aqui dentro todos os dias - embora às vezes estranha, com gente esquisita... é bonita, é bonita e é bonita. Pode durar um segundo, o tempo de um suspiro, do bater de asas de uma andorinha africana ou européia, ou de um abraço furtivo em tempos de pandemia.

Na verdade sempre fui um pouco assim, mas agora todas as emoções estão amplificadas de uma forma que nem sei como lidar... Junta nesse pacote depressão e ansiedade - essas sim as epidemias mais difíceis de combater da contemporaneidade, por necessárias que são à manutenção do status quo - e a falta de perspectiva geral e temos uma receita indigesta a tragar... Como vocês tem lidado com esse emocional todo fudido e mal pago?! hahahaha!

Pois bem, eu também rio, tento manter a leveza, que é pra não pirar de vez, que não posso me dar a esse luxo. Aliás, posso dizer que tenho rido talvez quase na mesma proporção com que tenho chorado. É bipolar ela, tadinha. Vou bebendo da loucura libertadora pequenas doses homeopáticas. E assim segue a montanha-russa, que ela pode até desacelerar, mas parar mesmo...

Eu tento escrever (poderia estar melhor), meditar, malhar, aprender violão (poderia estar BEM melhor), e principalmente tento não me julgar, não me culpar (nessa parte cês podem notar que poderia estar melhor também), e só julgar as atitudes alheias na medida do entendimento de que não somos à prova de falhas, mas precisamos também estar dispostos a evoluir e aprender. Humildade, sem servidão. Perspectiva. Eu tomo clonazepam, sad but true, mas é o que tem pra hoje. Tenho feito várias reflexões a respeito de muitas coisas, de atitudes minhas, dos outros, do que realmente importa em nossa passagem meteórica pela existência, mas isso fica pra outra hora. Resistir a me entregar completamente ao niilismo ainda é um exercício complexo.

Por outro lado, tenho me sentido bonita, amada, acolhida (na maior parte do tempo). Tenho me sentido mais conectada aos ciclos da natureza e ao meu eu mais interior, o que na minha percepção me dá uma espécie de superpoder com o qual ainda não sei lidar direito. Minha intuição anda afiadíssima, portanto não brinca comigo - que eu não ando só, só ando em boa companhia. Mesmo que seja a canção, o violão, a poesia. Lillith, a serpente, Kundalini ainda adormecida mas vamos dar um jeito de acender, e ascender - nem que seja uma faísca. Embora não deixe de reverenciar o sol, sigo mesmo é a lua e me re-conecto com minha energia feminina ancestral. Meu canto com ela compactua.

Por outro lado, muitas vezes eu só quero implodir, sumir e virar pó de estrelas espalhado pelo cosmos mesmo, ou passarinho, ou gato preto, ou qualquer coisa que não sei bem que... Mas quero ouvir (ou seria melhor dizer "ler"?!), há aqui um lugar de escuta (ou seria melhor dizer "leitura"?!), que aqui tudo vira textão também, que coisa. Lá vem a loka do textão (sou).



Não é pro meu TCC

é só pra falar de mim

e pra saber de você

na mesma proporção.



#carentena

(imagem: "stuck on my head" por motymotymoty)

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Fragmentada

 Eu quero falar duzôto aí eu digo pra mim mesma "deixa uzôto" e aí mim mesma responde pra eu "mas uzôto é escroto" e aí eu digo pra mim mesma "olha pra você" mim mesma pra eu "tô olhando... mas e o uzôto???" ambas se calam porque não sabem a resposta. 



quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Socorro estou sentindo tudo ao mesmo tempo




Queria me tornar 

nuvem

pólen 

caixa de sapato

chuva 

vento 

objeto desanimado 

pó de estrelas cadentes

antena de satélite

gravata de brechó

alicate de cutículas

luz

ar 

a goteira da torneira 

Qualquer coisa que não sinta.

Com tantos sentimentos, parece não ter nenhum que sirva. 


(arte: Patrick Arrasmith)





 

sábado, 20 de junho de 2020

Carne de Pescoço


Minha boca
morde seu pescoço
Desce até o osso
Da saboneteira
Próximo ao ouvido
Ouço
Seu gemido
No seu corpo
inteira 
me embolo
Sem esforço.
No seu colo
arte final 
depois do esboço

#carentena #poesia 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Saturday Blues


Dia 666 da quarentena
Sábado
Madrugada
Levemente embriagada
Talvez não o suficiente
Pode não ser a cerveja, meu bem
Pode ser o delírio fatigado
dos dias que passam
Todos iguais.
Pode ser ilusão de retinas cansadas
Alucinação, nada mais.

(You and me
And the devil makes three
Don't need no other loving babe)

#ADamaVagabunda #carentena

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Parece triste... E é. Ou não? Certamente é Confuso.




Às vezes, muitas vezes, tantas vezes

EU SOU A PESSOA MAIS SOZINHA DO MUNDO.

Mesmo com família fisicamente próxima e tanta gente boa virtualmente à minha volta. Como se todo o universo ao meu redor se desintegrasse, e eu à deriva num buraco abissal todo cheio de nada, uma escuridão profunda, vazia e dilacerante.

Tem gente linda sim me acolhendo, todos essenciais no seu jeito tão verdadeiramente amoroso de me dizer o quanto eu sou maravilhosa e merecedora de coisas boas e belas, e eu acredito em cada um porque no fundo eu ainda sei que sou. Eu ainda acredito em mim, acreditem. Ouvi dizer mais de uma vez que sou amada, e que onde quer que eu pise nesse mundo desperto bem-querer nas pessoas de bom coração. Me foi dito isso, e não há de ser força do mero acaso. Porque eu vivo, eu sempre vivi, sob a égide do amor, e esta proteção nada nem ninguém na vida há de me roubar!

E saber disso tá muito longe de ser pouca coisa. A bem da verdade, no meio desse vazio abissal, talvez isso seja o fio suspenso no ar no qual ainda venho me equilibrando nessa teimosia de me manter fiel à vida, apesar de tudo. Mesmo as mariposas em constante revoada em meu estômago que às vezes tornam-se furacões que me arrastam pra tão longe a ponto de eu mesma acabar me perdendo de mim.

Há quem creia que eu não deva expor minha tristeza e nem falar em meus textos tão abertamente da minha solidão. Que de repente isso me enfraquece. Olha, talvez, talvez vocês tenham razão. De repente sim. Talvez eu devesse usar mais meu alter-ego nesse momento, como escudo protetor, ser terceira pessoa. O vampirismo emocional pode ter lá seus canais online também né. Mas não, hoje não. Hoje não consigo. Hoje precisa ser eu a me desnudar, e nada mais. Talvez essa escrita frenética dos meus sentimentos mais profundos seja efeito do isolamento, da ausência do carinho, do abraço, do afago, do chêro no cangote, do toque, da conchinha, da vida social, essas coisas que nós, os “cerumanos”, costumamos, na maioria dos casos, não só gostar, mas precisar mesmo, saca? 

Mas talvez o que enfraqueça mais a gente seja a vontade de gritar e só encontrar ao redor as mesmas malditas quatro paredes fazendo esse grito ecoar de volta pra gente mesma. Esse grito encapsulado numa urna de cristal, tão cheia de elegância quanto de fragilidade. E um sorriso de palhaço pintado na máscara que eu vesti hoje de manhã pra emular felicidade. Desculpa incomodar o silêncio da sua viagem. Tira a sua quarentena egoísta do caminho, que eu quero passar com a minha dor. Eu ainda tô lambendo as feridas do meu orgulho e do meu coração, mas só porque aprendi com os bichos que a saliva cicatriza. E com a meditação também aprendi que ego é tudo aquilo que você tem que abandonar pra descobrir o seu eu mais profundo e verdadeiro. Que mesmo que você nunca descubra, a jornada já é mais importante e essencial do que o quer que exista no final desse caminho.

A verdade é que eu já reprimi meus sentimentos tantas vezes nessa vida que hoje o que eu sinto mesmo é necessidade de transbordamento. Meu sofrimento é mesmo cheio de som e fúria, de medo e delírio – e uma dose de masoquismo, como um licor amargo que eu vou tragando em golinhos dolorosos. Talvez só com terapia mesmo eu aprenda a nunca mais permanecer neste lugar por tanto tempo, que não que eu não possa passar por ele – mas é pra ser de baldeação, nunca pouso permanente. 

Deusas e deuses, tenho certeza que daqui a algns anos certamente vou me reler e provavelmente rir da minha capacidade de ser tão dramática. Como aliás, já fiz outras vezes. Talvez eu possa jogar a a culpa nos astros se um dia me esfrorçar um pouquinho mais pra entender algum tipo de mensagem que há no céu do meu nascimento. Pensando agora, este parece um texto triste, mas paradoxalmente também não parece. 
   
Há ainda alguns momentos, espalhados pelos dias, em que me sinto, por algum motivo qualquer, inexplicavelmente bem. Quando danço ou canto sozinha, livre e espontaneamente, como hoje na cozinha ouvindo Madonna e preparando a comida. Por breves instantes quase chego a introjetar em minha alma de forma irremediável a verdade de que um dia terei asas pra voar novamente. Neste momento, porém, junto a todo esse incômodo sinto muita dor nas articulações dos calcanhares, um resquício de uma chicungunha que alguns anos atrás nem foi tão forte assim, mas pelo visto deixou seu legado, obrigando a me humilhar usando uma pomada feita de uma erva chamada "canela de velho". Vida, chega de ironia, tá bom já. Já deu. Já não me basta ter sofrido de uma doença chamada "chicungunha"? 

Pisar no chão tá doído, talvez porque tô pisando nos meus próprios cacos espalhados no assoalho. Assim como ainda doem as feridas abertas das asas cortadas (talvez por mim mesma?!), dor de assum preto, blackbird, black raven.

Quase sem querer, invoco Paul a sussurrar em meu ouvido, com ternura melodicamente fúnebre: “Take these broken wings and learn to fly”.

Quase sem notar, invoco Belchior, que amar e mudar as coisas nos interessa mais, cantarolando em minha cabeça: "No presente a mente, o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

E o futuro ao infinito pertence.  

(imagem: Chiara Bautista, minha amada Milk)

#Carentena

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Um Pouco de Droga, Um pouco de... só droga mesmo.



De madrugada a tristeza
que durante o dia inteiro expulsei da mente, do coração, do corpo,
na base da porrada, do floral e de pequenas distrações alienadas
(uma música,
um raio de sol,
uma risada com uma amiga
uma afofada na gata)
escancara a porta e as janelas como uma ventania indesejada
e eu só me encolho embaixo do edredom, enroscada
esperando a chegada dos inevitáveis efeitos mágicos
da pílula que desata o nó na minha garganta,
e adormece as revoadas constantes de mariposas
que deram pra fazer morada em meu estômago, as danadas!
A ventania vira brisa do mar, suave sopro, breve calafrio.
Eu durmo um sono delicioso, indomável,
artificialmente induzido,
pensando no "amanhã" como apenas mais um dia.
E cada mais um dia de amanhã
Como mais um dia vivido.

(Arte: Alphonse Inoue) 


quarta-feira, 13 de maio de 2020

GRITO




Às vezes escrevo porque quero GRITAR
GRITARGRITARGRITAGRITAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
.
.
.
mas não consigo, não posso, me calo.
Há um grito, por exemplo, neste exato momento dentro de mim.
Enorme, gigantesco, colossal,
muito maior que do que a minha voz pode sonhar alcançar,
especialmente nestes tempos de nó na garganta que não logro desatar.
Este grito, que tem tantas formas, tantas cores, tantos timbres, tantos matizes...
Prisioneiro, testa a expansão dos limites do meu corpo.
Fisicamente este grito ocupa um espaço
que vai da cabeça até o baixo ventre
E os espreme em forma de dolorosas sensações
que não cessam nem sob o efeito de analgésicos.
Para além dos limites do meu corpo físico,
este grito me oprime de fora para dentro.
Me engole, me traga, me atomiza, me anula,
atravessa minha alma como uma flecha e a estilhaça.
E é aí, nos estilhaços daquilo que sobra, que vejo meu próprio reflexo:
confusa, estremecida, deformada, fragmentada.
Este grito é tão alto que não é passível de se materializar a não ser através do silêncio
E as palavras não dão conta do tamanho deste grito
Porque a angústia que ele carrega em si é ancestral ao advento da linguagem.
A angústia deste grito é imensa, profunda, abismal, imensurável.
E eu, no momento triste, pequena,
no momento acanhada e só
apenas silencio e sucumbo
à minha própria incapacidade de gritar.


#ADamaVagabunda #Carentena #MontanhaRussa


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Dia XX da #carentena



Hoje vai ter malhação e violão. Eu acho. Devia ter, porque ontem o frio e a chuva não colaboraram, e eu tô tentando abandonar o antigo hábito de abandonar.

Nascida em BH mas crescida no Hell de Janeura, sou friorenta. 20 graus pra mim já é papo de casaco, cachecol e meia. Eu gosto, quando consigo me agasalhar a contento. Mas confesso que a ventania da madrugada anterior trouxe junto com ela sussurros e gemidos, como se um portal se abrisse entre dois mundos, e quem é de sensibilidade aflorada sentiu algo de estranho também, um desassossego.
Eu gosto de chuva, mas era bem melhor antes quando você olhava pras gotas escorrendo na vidraça (nossa, como eu sou gótica), cantarolava Garbage, pensava "que bom que não preciso sair de casa hoje" e ficava de molho com edredom, filminho e chá, talvez um "cobertor de orelha" - mas aí depende, é uma faca de "dois legumes" né mores, porque estar só é sempre melhor que estar mal acompanhada, mesmo que nossos coraçõezinhos carentes e românticos estejam sempre tentando nos convencer do contrário.

Agora estamos todos perdendo a sanidade dia após dia e tentando nos convencer da ideia de que de alguma forma vamos sair melhores disso tudo, porque talvez fazer o jogo do contente seja o último refúgio das nossas mentes exauridas pelo excesso do absurdo. Por outro lado, de repente Pollyanna - por mais que eu odeie ter que dizer isso - tenha razão e precisamos mesmo perder um pouco da velha sanidade e abrir uma brecha pra um raio de sol iluminar nossos sótãos esquecidos num limbo do espaço-tempo.

Mas eu consegui aproveitar esse mood de ontem pra terminar de ver o filme do Almodóvar, que nunca me decepciona em me fazer morrer de amor, aquela morte momentânea que te arrebata quando você se aproxima demais da beleza em si, como a breve cegueira que se sente ao tentar olhar diretamente para o sol.

Tô com medo já - the winter is coming! hahaha, mas eu tenho bastante agasalho (tenho nada, mas meu filho tem os melhores casacos e eu tenho o melhor filho) e vou investir numa garrafa de pinga boa pra espantar o frio honrando minha linhagem lá das Minas Gerais. E é tanto amigo dizendo que sou forte que tô quase acreditando em vocês, viu. Porque que eu sou foda eu já sei. Só preciso me lembrar disso todos os dias pela "manhã" (meio dia é a nova manhã).

Viver com ansiedade constante, que aumenta ou diminui ao ritmo de uma maré que mistura diferentes conjunturas em diferentes âmbitos da vida, não é fácil, mas a gente vai levando essa chama
Mesmo com o nada feito
Com a sala escura
Com um nó no peito.

Que a Dama Vagabunda, esse alter ego que criei pra me fazer lembrar do que eu sou, nunca teve medo de expor suas emoções e nem do julgamento dos covardes e das almas sebosas. Mas que ela também, ao longo desses anos, amadureceu o suficiente pra saber que se proteger, se cuidar e saber o momento da não-ação e de entregar o destino nas mãos do universo também é sabedoria que vem da ancestralidade cosmológica. Por mais duro que seja admitir que não temos controle sobre as situações, por mais duro que seja deixar simplesmente a vida seguir seu fluxo, o que tiver de ser, será. E que seja o melhor pra mim e pra cada um de vocês que eu amo às vezes mais do que harumaki de romeu e julieta (sim, isso existe e é tipo deus enroladinho e frito em imersão).



quarta-feira, 6 de maio de 2020


Poderiam desinventar a palavra saudade
Quem sabe assim eu deixaria de sentí-la ? 

terça-feira, 21 de abril de 2020

TRITROCENTÉSIMO DIA DA QUARENTENA

Depois da noite semi-insone me afogando em masoquismo emocional e auto-sabotagem, eu acordei meio dia, dormi por cinco horas, sonhei uns sonhos MUITO loucos, mas no final do sonho tinha uma pessoa que eu amei loucamente numa outra era e por quem tenho muito carinho apesar da distância, me dando uns conselhos muito maravilhosos (que eu não lembro quais foram, mas fizeram muito sentido naquele momento).

O acordar foi mal-humorado porque o interfone tocou e eu queria ter dormido mais umas duas horas, e eu meio dormindo meio acordada achei que era uma ligação de São Paulo e fiquei como, virada no Jiraya, que São Paulo te ligando no fixo cês já tão ligados né. Mas eram guloseimas, presente de um amigo lindo pro meu filho, então tá mais do que maravilhoso, bora acordar né.

Aí eu vi que ainda tinha uma réstia de sol no quintal, tirei a calça e tomei um solzinho nas pernas, de calcinha e blusa e quase pensando em pagar peitinho e proporcionar alguma distração pros meus vizinhos enquarentenados, mas aí lembrei que tenho um vizinho escroto que cheira pó a noite toda e fica gritando, quebrando coisas, já agrediu mulher e travesti e decidi que ele não merece essa visão do paraíso. Enquanto tomava meu copo de sol tal qual um lagarto Manoeldebarriano, escutava o filho de um puliça no telefone aos berros dizendo que tinha acabado de voltar da PRAIA! Isso mesmo que cês tão lendo, eu tô aqui abrindo mão dos meus rolés, abraçando e recebendo visitas de um total de ZERO amigos e me deprimindo com a quantidade de pessoas MORRENDO e o energúmeno tava na praia. Perdoem-me os outros vizinhos que tiveram que se contentar com minhas pernocas, minha camiseta surrada e minha calcinha de vovó bege zuper zenzual (ainda os considero sortudos, deixa o tal ir à praia de novo que eu boto os peitinhos pra jogo huahuahua).

A vitamina D me vitaminou e eu coloquei aquele disco irado do Air e fiz um alongamento daqueles que estala tudo e estica até as pregas do seu cu (se você ainda tiver alguma, claro). Tirei as teia de aranha do bambolê e coloquei a playlist de eletroswing (mais swing que eletro) no Spotify pirateado, bamboleei meus bofe pra fora e a serotonina bateu, deu onda e eu lá toda performática - eu podia dizer desengonçada, mas achei que performática combina mais com meu charme sagitariano... Tentei fazer um vídeo da bamboleada mas minha gata derrubou o celular, o que me provocou um mini-enfarto, mas tava tudo bem com o celular, embora o vídeo tenha ficado ó... uma bosta, tendo sido devidamente enviado ao limbo dos vídeos vergonhosos.

Ainda me sentindo a Farrah Fawcett num VHS dos anos 80 (essas referências de cacura sempre denunciam minha idade) eu consegui bater meu próprio recorde fazendo uns 8 agachamentos, 3 abdominais e umas 4 flexões (juro que foram flexões mesmo, não bozoflexões).

Me joguei na rede e olhei pro céu e pensei "vyado, tá um azul de Van Gogh nessa porra desse céu" e eu acho que a combinação de serotonina com vitamina D deu onda MESMO e putaquepariu QUE CÉU AZUL DA BUCETA! Quero ver eu ter insônia essa noite!!! Vou fazer PRANAYAMA até cair o nariz e VAISIFUDÊ RIVOTRIL - não, péra... Menas.


domingo, 19 de abril de 2020

Lusco Fusco


Teve um momento, suspenso no tempo,
No lusco-fusco entre o abandono incessante do dia e o aproximar lânguido da noite, insinuante,
Que a vida fez tão, mas tão pouco sentido que chegou a doer, uma dor física, uma dor tão forte, uma dor tão grande, uma dor sufocante, uma dor sem saída,
UMA DOR.
Eu apertei com os braços minha cabeça com força
Força força MUITA força
pra estraçalhar meu crânio em cacos, estilhaços
Explodir minha cabeça em trinta mil pedaços
Espalhar pelas paredes gomos pegajosos do meu cérebro
Fazer saltar das órbitas meus olhos molhados de lágrimas
Até jorrar pelo mundo esse rio negro, caudaloso e sem fim
Que há em mim.


sexta-feira, 17 de abril de 2020

ENTÃO NÃO É NATAL


Trigésimo quarto dia de quarentena. Minha mãe sugeriu montar a árvore de Natal...

Pensei : “Por que não?” Antecipar o Natal...
Daí antecipamos o ano novo também.

Quem sabe assim a gente engana o tempo?
Vai dormir mais cedo e acorda em outro momento?

Me pus a imaginar um Natal fora do tempo... com meus avôs e avós,
Todos já se foram, mas sentados ali à mesa,
em uma realidade paralela.

Quero achar o buraco de minhoca que me leve diretamente para ela.
Porque por aqui já deu de distopia.
E estamos apenas no trigésimo quarto dia.

quinta-feira, 16 de abril de 2020


Um poeta uma vez afirmou 
Que todas as cartas de amor são ridículas.
Pois agora eu afirmo, sem tirar nem pôr,
QUE SÃO BELÍSSIMAS TODAS AS CANÇÕES DE AMOR.
TODAS TODAS TODAS
As que falam do amor que não deu
As que falam do amor que nasceu
As que falam do TANTO TANTO TANTO
que quem perdeu um amor já sofreu.
As que falam do pranto pelo fim do que viveu
Daquilo que, talvez, dentro de quem amou
Morreu.
Do amor que nas curvas de uma estrada se perdeu
E das coisas que a gente, que ainda ama,  
Não esqueceu.
As de rima pobre, como esse poema,
As que nem tem rima
E isso não é um problema
Porque no fim das contas,
No fim do dia,
Qualquer forma de amor, para o poeta
vira poesia.
TODAS AS CANÇÕES DE AMOR,
MEU AMOR,
SÃO BELÍSSIMAS.
O que nos leva à duas simples conclusões:
O amor romântico é uma droga
Mas produz belíssimas canções.

(imagem Chiara Bautista aka Milk) 

terça-feira, 7 de abril de 2020

Meio Namastê, Meio Namastreta


Deste lugar de raiva onde me encontro, olho-me no espelho e não me reconheço. Serei eu mesma essa pessoa que carrega tanta fúria por detrás de pálpebras inchadas? Eu quero descansar. Quero me livrar desta mochila recheada de mágoas. Quero ser livre. Quero dançar.  Quero finalmente poder voar. Mas, por agora, não posso.

Eu não sou ódio. Eu não sou rancor. Este lugar onde estou não me define. Se estou aqui, neste momento, o que posso fazer é apenas mudar a direção do meu olhar. Olhar para dentro, mas também para o infinito. Porque olhar para dentro já é olhar para o infinito. Olhar para o todo, imenso e indissolúvel, e entender-me uma nano-partícula no universo em expansão, e ao mesmo tempo eu mesma do tamanho da expansão universal. Olhar nos olhos do abismo, por mais assustador que pareça, e encará-lo em toda sua profunda frieza abissal.

Um dia ainda pretendo absorver integralmente a ideia de que a vontade e o desejo do outro não me pertencem. Que nada me pertence. Nem meu corpo me pertence. Nem meus sonhos me pertencem. Me pertence apenas a possibilidade da aceitação deste não-pertencer. Todas e todos somos seres livres, pois para isso fomos feitos.

Eu me cuido e você me cuida. Princípio fundador. Mas nunca exigência. Será justo obrigar o outro a carregar o fardo das minhas expectativas? Minha busca é por bastar-me a felicidade que o cuidado com o outro me traz, no limite mesmo entre o reconhecimento e a dissolução do ego. Mas ainda há um longo caminho pela frente, e não é uma estrada de tijolos amarelos.

Por agora estou aqui nesse lugar – onde coabitam raiva, mágoa, desilusão, desamparo, tristeza, dúvida, confusão. Tenho pesadas bolas de apego emocional presas aos meus tornozelos. Sabendo que não é a este lugar que pertenço, ao mesmo tempo procuro entender porque acabei vindo parar aqui. Entendo a necessidade desta estadia dolorosa. Estou fortemente amarrada a uma montanha-russa emocional. Comprei um ticket para cada uma das atrações macabras deste parque de des-diversões, este circo de horrores. Ninguém nunca disse que o fim de uma tão longa jornada emocional seria uma praia deserta em um belo pôr-do-sol, mas estar neste lugar onde só há tempestade constante é muito mais assustador e triste do que eu jamais poderia prever. Ao mesmo tempo, sei que este embrulho no estômago é um sintoma da queda, e que se num dia eu despenco vertiginosamente, no outro eu subo e consigo encher os pulmões de ar antes de submergir novamente – e entre um e outro existem momentos de consciência da efemeridade não só desta dor, mas da própria vida e tudo aquilo que a constitui. Afinal de contas, um passeio de montanha-russa não pode durar para sempre, não é mesmo? Que no fim do dia um vento forte sopre tudo isso para longe de mim, e que ao olhar para trás eu perceba este lugar como uma ilha, distante e perdida em algum lugar do passado (mas não a ilha de LOST, porque eu odiei essa série e me recuso a fazer analogia com ela).

terça-feira, 31 de março de 2020

A MULHER NA VARANDA (OU REQUIEM PARA UMA ESTRELA)




Hoje eu vi uma mulher
Chorando na varanda.
Ela deitava no chão,
em posição fetal,
e se encolhia tanto, abraçando firme os joelhos,
como se quisesse guardar dentro de si.
Ela tentava recolher-se ao próprio útero
Refúgio da mãe terra
e ali se esconder para sempre.
Ela se contorcia, esforço inútil
em ocupar o menor espaço possível
num mundo onde talvez ela não queira mais viver.
Ela quer atomizar, reduzir-se ao quase nada
que agora habita o espaço
onde um dia batia o seu coração.
Olhando para a mulher chorando na varanda,
pensei em uma serpente
devorando o próprio rabo
Linda
Trágica
E letal.
Mas talvez ela fosse uma estrela
que deixou-se queimar toda
para enfim colapsar.
Uma mulher que já expandiu em supernova,
e num ato final foi-se embora
toda a luz e energia do seu corpo em implosão.
Eu chorei junto com essa mulher
em estado de entropia,
E as lágrimas no meu rosto
entraram em combustão.
Me encolhi e me enrolei
Colapsei e me guardei
dentro de mim.
Mergulhei no ventre escuro da mãe terra.
Porque essa mulher era eu
E eu, essa mulher, era ela.