terça-feira, 5 de janeiro de 2010

No fim... só


Obrigada, querido. Fiquei bêbada com duas cervejas, morri de tédio e tentei em vão acompanhar o papo do casal apaixonado na mesa ao lado.
Nada que uma boa dose não cure. A minha tendência à depressão, não a paixão do casal, que fique bem claro. (Será que é inveja esse amargo no céu da boca?). É isso: uma boa dose de auto-crítica e depois de cachaça, pra equilibrar. Acho que comigo é assim que funciona. Ou disfunciona?... Essa minha mania de auto-análise ainda acaba me matando. Sempre acho que posso dar uma explicação melhor pras minhas próprias neuroses do que um cara que passou anos estudando pra isso. Engraçado pensar nisso agora porque foi você o primeiro a me dizer. E, ironicamente, aqui estou eu: puta da vida contigo e te parafraseando! Sintomático?
Sinto mesmo é pena quando olho ao redor e percebo que além de mim há mais dois solitários. Um na mesa em frente à esquerda, um recostado no balcão. Um bebe cerveja como eu, o outro vira uma dose de algum destilado forte. Por um segundo passa-me pela cabeça a idéia de chamá-los a juntar-se a mim, solitários, rejeitados, abandonados, uní-vos! Idéia rapidamente banida por um resquício de bom-senso que o último gole de cerveja não conseguiu - sei lá por que milagre - aniquilar por completo.
Toda essa fantasia tola na verdade serve apenas pra adiar o momento de encarar a dura realidade: não tenho dinheiro pra pagar a conta. Sentei, esperei por você, bebi, e não tenho dinheiro. Esperava que você pagasse a conta, imaginando - santa ingenuidade - que era o mínimo que poderia fazer por mim a essa altura do campeonato.
Peço mais uma pra pensar... ou pra parar de pensar?
Você não veio. Você não vem mais, é fato. Tô aqui há duas horas e os solitários de tão bêbados já me lançam olhares no mínimo intimidadores, e o casal da mesa ao lado já foi dessa pra uma provavelmente muito melhor. Encaro o relógio de madeira à minha frente e percebo que o ponteiro dos minutos gira a uma velocidade bem acima do normal. O tempo tá passando mais depressa, parece que perdeu a graça a brincadeira de me torturar. A diversão agora é fazer chegar mais rápido o momento do bar fechar, quando eu vou ter que explicar prum sujeito suado e mal-encarado com um bigodinho gorduroso por que diabos sentei num bar e bebi sem ter dinheiro pra pagar.

(imagem: "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí)