quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Blues cotidiano

Escovo os dentes no banho. Choro embaixo do chuveiro pra esconder as lágrimas de mim mesma. A mistura de ressaca com tpm é quase sempre indigesta... talvez amanhã o mundo volte aos eixos, talvez não, quem sabe?... maldita moral, maldita culpa. Um dia aprendo a viver sem (quando?)... Meto a tesoura nos cabelos, terapia eficaz.
Pausa pro café. Cafeinômana, duas xícaras, açúcar e vapor, mais um pouco de açúcar, glicose é afago pra alma. Momento suspenso no fio do tempo... momento de sentar no chão da varanda lateral e observar o casarão vermelho imponente no alto do morro, bebericando devagar o café doce/amargo.
Em cima da hora acabo vestindo a saia guarda-chuva que levanta com o vento. Na rua, ventania pré-tempestade, revoada de folhas, algazarra do ar em movimento, e a minha bunda de fora na porta do banco, apertando inutilmente a droga do botão com uma mão, empurrando a porta com a outra, tarde demais pra evitar a gargalhada dos moleques que passam...
Chove e eu choro embaixo da chuva só pra não perder o hábito de brincar de esconde-esconde. Ao menos a ventania parou, e a saia vai continuar no lugar até eu me distrair e passar em cima de um desses bueiros que sopram de baixo um ventinho intermitente.
Refúgio na livraria. Fugindo da chuva , do aperto no peito e da abstinência de cafeína, bebo o café em golinhos calculados, minúsculos, pensamentos tolos, planos de dominação do mundo, um livro do Fernando Pessoa. um pouco de saudade de alguém do outro lado do mundo...
Quando vejo que a chuva apertou eu saio. Saio e deixo a chuva levar de enxurrada os pensamentos tolos, os planos infalíveis, um restinho de culpa, leva a saudade chuva!; não, não levo. Pensando bem, até que essa saudade é boa de ter, através dela ele visita meus sonhos onde passeamos lentamente por um boulevard parisiense (nunca estive em Paris, mas no sonho ele me mostra como é...), ou tomamos café no foyer do CCBB e rimos destilando rabugices, ironias, devaneios e demências...
Molhada, a saia que antes queria voar se cola ao meu corpo, e o sentido do tato sobrepõe-se aos outros graças a esse contato, eu corro mas não quero mais fugir, correr apenas ponto. Pra um lugar que não existe porque ainda não foi inventado. Ainda não foi inventando lugar onde caibam meus sonhos, meu desejo de liberdade, meu desejo de delírio, meus desejos todos enfim, meu Desejo que é um deus sem templo a habitar.
Abro a porta de casa, me dispo das roupas encharcadas e dos devaneios fortuitos, devia sentir frio mas meu corpo queima, entro no banho, escovo os dentes, choro.
Bebo o café mais amargo do dia e mergulho na profunda nostalgia que habita as tardes filminho-edredom...