terça-feira, 7 de abril de 2020

Meio Namastê, Meio Namastreta


Deste lugar de raiva onde me encontro, olho-me no espelho e não me reconheço. Serei eu mesma essa pessoa que carrega tanta fúria por detrás de pálpebras inchadas? Eu quero descansar. Quero me livrar desta mochila recheada de mágoas. Quero ser livre. Quero dançar.  Quero finalmente poder voar. Mas, por agora, não posso.

Eu não sou ódio. Eu não sou rancor. Este lugar onde estou não me define. Se estou aqui, neste momento, o que posso fazer é apenas mudar a direção do meu olhar. Olhar para dentro, mas também para o infinito. Porque olhar para dentro já é olhar para o infinito. Olhar para o todo, imenso e indissolúvel, e entender-me uma nano-partícula no universo em expansão, e ao mesmo tempo eu mesma do tamanho da expansão universal. Olhar nos olhos do abismo, por mais assustador que pareça, e encará-lo em toda sua profunda frieza abissal.

Um dia ainda pretendo absorver integralmente a ideia de que a vontade e o desejo do outro não me pertencem. Que nada me pertence. Nem meu corpo me pertence. Nem meus sonhos me pertencem. Me pertence apenas a possibilidade da aceitação deste não-pertencer. Todas e todos somos seres livres, pois para isso fomos feitos.

Eu me cuido e você me cuida. Princípio fundador. Mas nunca exigência. Será justo obrigar o outro a carregar o fardo das minhas expectativas? Minha busca é por bastar-me a felicidade que o cuidado com o outro me traz, no limite mesmo entre o reconhecimento e a dissolução do ego. Mas ainda há um longo caminho pela frente, e não é uma estrada de tijolos amarelos.

Por agora estou aqui nesse lugar – onde coabitam raiva, mágoa, desilusão, desamparo, tristeza, dúvida, confusão. Tenho pesadas bolas de apego emocional presas aos meus tornozelos. Sabendo que não é a este lugar que pertenço, ao mesmo tempo procuro entender porque acabei vindo parar aqui. Entendo a necessidade desta estadia dolorosa. Estou fortemente amarrada a uma montanha-russa emocional. Comprei um ticket para cada uma das atrações macabras deste parque de des-diversões, este circo de horrores. Ninguém nunca disse que o fim de uma tão longa jornada emocional seria uma praia deserta em um belo pôr-do-sol, mas estar neste lugar onde só há tempestade constante é muito mais assustador e triste do que eu jamais poderia prever. Ao mesmo tempo, sei que este embrulho no estômago é um sintoma da queda, e que se num dia eu despenco vertiginosamente, no outro eu subo e consigo encher os pulmões de ar antes de submergir novamente – e entre um e outro existem momentos de consciência da efemeridade não só desta dor, mas da própria vida e tudo aquilo que a constitui. Afinal de contas, um passeio de montanha-russa não pode durar para sempre, não é mesmo? Que no fim do dia um vento forte sopre tudo isso para longe de mim, e que ao olhar para trás eu perceba este lugar como uma ilha, distante e perdida em algum lugar do passado (mas não a ilha de LOST, porque eu odiei essa série e me recuso a fazer analogia com ela).

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