Hoje vai ter malhação e violão. Eu acho. Devia ter, porque ontem o frio e a chuva não colaboraram, e eu tô tentando abandonar o antigo hábito de abandonar.
Nascida em BH mas crescida no Hell de Janeura, sou
friorenta. 20 graus pra mim já é papo de casaco, cachecol e meia. Eu gosto,
quando consigo me agasalhar a contento. Mas confesso que a ventania da
madrugada anterior trouxe junto com ela sussurros e gemidos, como se um portal
se abrisse entre dois mundos, e quem é de sensibilidade aflorada sentiu algo de
estranho também, um desassossego.
Eu gosto de chuva, mas era bem melhor antes quando você
olhava pras gotas escorrendo na vidraça (nossa, como eu sou gótica),
cantarolava Garbage, pensava "que bom que não preciso sair de casa
hoje" e ficava de molho com edredom, filminho e chá, talvez um
"cobertor de orelha" - mas aí depende, é uma faca de "dois
legumes" né mores, porque estar só é sempre melhor que estar mal
acompanhada, mesmo que nossos coraçõezinhos carentes e românticos estejam
sempre tentando nos convencer do contrário.
Agora estamos todos perdendo a sanidade dia após dia e
tentando nos convencer da ideia de que de alguma forma vamos sair melhores
disso tudo, porque talvez fazer o jogo do contente seja o último refúgio das
nossas mentes exauridas pelo excesso do absurdo. Por outro lado, de repente
Pollyanna - por mais que eu odeie ter que dizer isso - tenha razão e precisamos
mesmo perder um pouco da velha sanidade e abrir uma brecha pra um raio de sol
iluminar nossos sótãos esquecidos num limbo do espaço-tempo.
Mas eu consegui aproveitar esse mood de ontem pra terminar
de ver o filme do Almodóvar, que nunca me decepciona em me fazer morrer de
amor, aquela morte momentânea que te arrebata quando você se aproxima demais da
beleza em si, como a breve cegueira que se sente ao tentar olhar diretamente
para o sol.
Tô com medo já - the winter is coming! hahaha, mas eu tenho
bastante agasalho (tenho nada, mas meu filho tem os melhores casacos e eu tenho
o melhor filho) e vou investir numa garrafa de pinga boa pra espantar o frio
honrando minha linhagem lá das Minas Gerais. E é tanto amigo dizendo que sou
forte que tô quase acreditando em vocês, viu. Porque que eu sou foda eu já sei.
Só preciso me lembrar disso todos os dias pela "manhã" (meio dia é a
nova manhã).
Viver com ansiedade constante, que aumenta ou diminui ao
ritmo de uma maré que mistura diferentes conjunturas em diferentes âmbitos da
vida, não é fácil, mas a gente vai levando essa chama
Mesmo com o nada feito
Com a sala escura
Com um nó no peito.
Que a Dama Vagabunda, esse alter ego que criei pra me fazer
lembrar do que eu sou, nunca teve medo de expor suas emoções e nem do
julgamento dos covardes e das almas sebosas. Mas que ela também, ao longo
desses anos, amadureceu o suficiente pra saber que se proteger, se cuidar e
saber o momento da não-ação e de entregar o destino nas mãos do universo também
é sabedoria que vem da ancestralidade cosmológica. Por mais duro que seja
admitir que não temos controle sobre as situações, por mais duro que seja
deixar simplesmente a vida seguir seu fluxo, o que tiver de ser, será. E que
seja o melhor pra mim e pra cada um de vocês que eu amo às vezes mais do que
harumaki de romeu e julieta (sim, isso existe e é tipo deus enroladinho e frito
em imersão).
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