terça-feira, 24 de maio de 2011

P a s s a t e m p o


Às vezes tenho vontade de ter febre, apenas pra sentir-me queimar novamente. Tenho uma nova obsessão: invento romances que não existem porque brincar de faz-de-conta ajuda a esquecer a dor da passagem do tempo. Mas a realidade volta e meia solicita minha presença com a voz fria de quem anuncia o portão de embarque de um vôo pra lugar nehum. Minha vó costuma dizer: “cabeça vazia, oficina do diabo”. Uma amiga ‘viada’ diz simplesmente, me sacudindo: “Get a life, biatch!”. Eu retiro do fundo da gaveta empoeirada aquela resposta pobre, mas limpinha, pra entregar pra minha vó, que já está morta, e pra minha amiga – que é imaginária. A mesma resposta que dou pra minha consciência todas as vezes em que ela resolve vestir seu uniforme de governanta alemã e me cobrar atitudes: “Tô tentando, mas vocês não sabem o quanto anda difícil ser eu ultimamente.” E me regozijo do quanto eu posso ser cretina e auto-piedosa, e sinto um nojinho de mim que é quase gostoso de sentir. Mas passa rápido.
No fundo sou apenas uma garota que ainda não conseguiu entender exatamente o que é ser uma mulher, embora não o admita a nenhum ser vivente que não seu gato persa e sua tartaruga chamada Dinorah, e desconfia que isso pode perdurar até que ela morra aos 80 anos, louca e esquecida em algum tempo ancestral ao seu.
Nos meus romances inventados há muito pouco drama, o amor é descomplicado e as horas boas passam lentas, como deveria ser na vida real, mas quase nunca é. Alterno minhas tardes e noites (as manhãs dedico aos sonhos) entre habitar fantasias febris e esvaziar minha mente com pequenas distrações mundanas, adiando o mundo lá fora, que ainda assim, vez por outra, insiste em arrombar a porta da minha casa quando um vento mais forte de vida real a impele a se abrir sem que eu o permita.
Meus dias passam lentos porque são tediosos, e minutos de tédio escorrem devagar por entre os meus dedos enrugados depois de horas desperdiçadas na banheira cheia de água com sais importados da Índia que minha amiga imaginária trouxe da última de sua série de excursões excêntricas à procura de sua “verdade interior” (o que quer que isso signifique). Ela gosta de viajar, eu não. Eu gosto de inventar.
Invento-me amando e sendo amada, invento-me atravessando céus e mares e enfrentando toda série de perigos pra reaver um amor perdido, uma verdadeira heroína romântica. Inverto o jogo e invento-me cruel e desejada, com o coração congelado por uma sequência inifindável de desilusões amorosas. Invento-me piedosa e magnânima, bela e aventureira, altiva e inescrupulosa, misteriosa e vulnerável. Transformo-me numa massa crua e versátil a qual posso modelar à merce dos meus desejos mais íntimos e muitas vezes inconfessáveis.
Passo o tempo, e ele inevitavelmente passa por mim. Mas dói menos assim. Passatempo preferido.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Trying to get back



Passei por aqui pra lembrar que meu blog existe, pra me reler e principalmente pra me lembrar da existência desse "eu". Esse "eu" que escreve porque isso é uma das coisas que o torna singular, que o tira da mesquinhez enfadonha da rotina, que torna aquilo que chamam de dia-a-dia, por vezes, simplesmente extraordinário. Que lhe proporciona pequenos e peculiares momentos de extrema beleza. Momentos de vislumbrar a beleza em si e algumas vezes até quase tocá-la. Experimentá-la próxima com um estremecimento de prazer - e de medo, pois onde anda o prazer, anda o medo ali à espreita. Momentos de jogar palavras no papel - ou na tela - são momentos de experimentação do sublime. Quero ter novamente muitos destes momentos quebrando a linearidade tristonha da existência.
Esse "eu" vai voltar? Não sei.

(a imagem é um trabalho do Fred Einaudi: http://fredeinaudi.blogspot.com/)