Ponho os pés na rua e constato: típica manhã ensolarada de sábado. Luz estourada obrigando minhas pupilas preguiçosas a encolherem-se meio a contragosto por detrás dos indispensáveis óculos de lente escura. Vou pro trabalho.
Em manhãs de sábado como esta posso testemunhar um dos mais curiosos fenômenos inerentes à vida dos habitantes de Chaotic City: hordas de pessoas sumariamente (mal) vestidas amontoam-se em ônibus velhos, quase sempre dirigidos por sujeitos neuróticos, rumo à longas faixas de areia onde terão de disputar com outros milhões de indivíduos espaço ao menos suficiente para acomodar seus glúteos sobre a areia escaldante. Pode-se caminhar quilômetros em sinuoso e nada prático zigue-zague por entre cadeiras e mulheres deitadas - que paradoxalmente não admitem ser atingidas por alguns míseros grãozinhos inevitavelmente lançados pelas passadas dos transeuntes, embora estejam estendidas em meio à toneladas de areia - sem encontrar uma sombrinha sequer, a não ser a pífia e insuficiente provocada pelos guarda-sóis. Não fosse a presença do mar logo ali, poderia-se pensar que o Saara é aqui... Embora o curto caminho para chegar ao mar esteja tomado por centenas de sombrinhas, cadeiras, isopores e piscinas de criança, provavelmente já é um consolo saber que ele está ali, mesmo que quase invisível por detrás de tantos obstáculos.
Tais considerações povoam minha mente enquanto me espremo num canto do 433 lotado em pleno sábado onze e meia da manhã. Bom, nada de novo, a lotação é apenas um dos inúmeros aspectos da sinistra sina de milhões de seres obrigados a fazer uso do transporte público em Chaotic City.
O que me faz pensar na estranha relação que tenho com a cidade. Que eu poderia até chamar de simbiótica - se fosse saudável. A cidade me enlouquece, me estupra, me irrita, me deprime. Eu a hostilizo sem um pingo de compaixão.
Sinto-me, entretanto, intrínsicamente, organicamente ligada a ela, como se o fluxo caótico dos carros nas ruas desorganizadas fosse o próprio reflexo do pulsar incessante do sangue correndo em minhas vias, ops!, veias. O atrativo existe, embora intangível. Deve haver uma espécie de parentesco ancestral, um ponto invisível onde nossos DNAs, o traduzido e o intradutível, se fundem numa miscigenação incestuosa. A cidade me afugenta mas eu não fujo. Às vezes, em arroubos quase naïf, chego a crer que posso enfrentá-la com explosões de indignação incontida ou tentativas inúteis de apelo à supostos resquícios de civilidade. A cidade apenas escarnece da minha ingenuidade, com promíscuos tapinhas nas costas...
Após deixar pra trás a praia do Flamengo, o ônibus pega enfim o aterro. Ainda bem que existe o aterro, privilégio poder passar por ele, admirando os contornos do Pão de Açúcar.
Minha relação com a Chaotic City é completamente sadomasoquista.
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3 comentários:
a minha relacäo com o Rio de Janeiro é completamente masoquista...
Amo mas só sofro...
Minha relacao com o Rio e tambem e super sado ...eu amo e odeio ao mesmo tempo, tb me deprime mas e que nem uma droga nao consigo deixa-la ... Acho as manhas de sabado como manhas de ressaca , as pessoas andam tontas pelas ruas depois de uma noite frentetica de sexta feira que comeca as 18 horas com as ruas pulsando por noitada ...
minhas manhas na cidade no sabado é sonhando... em conseguir levantar e ir sentar meus gluteos, que nao sao pequenos, na areia escaldante... porém, a noitada de sexta nunca deixa! Ainda bem que hoje está frio e tem o ultimo capitulo da novela!
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