terça-feira, 14 de abril de 2009

máscara

Ostento um sorriso meticulosamente esculpido
Na máscara etérea que escolho para o dia.
Por este motivo não percebem que eu sofro
Aqueles que me olham na rua de relance
e os que me dirigem cordiais saudações
todas as manhãs a caminho do trabalho.
Apenas um olhar atento – mais que atento, comprometido,
notaria talvez, quem sabe,
por sob o manto volátil que encobre o meu rosto,
uma gota equilibrando-se no canto do olho esquerdo,
como que a desafiar a lei da gravidade,
recusando-se a rolar maçã do rosto abaixo
até escorrer pelo meu queixo afora,
cumprindo assim seu inexorável destino de lágrima.
E ainda um leve, quase imperceptível pulsar
no canto direito do meu lábio superior,
sintoma de um desejo inconsciente de pranto
que acaba por nunca se materializar.
Porque este olhar, ah, este olhar...
Este olhar, meus senhores, simplesmente não existe.
Porque o comprometimento do olhar com o objeto olhado,
a verdadeira cumplicidade da córnea humana
com cada partícula luminosa responsável
pela formação da imagem enxergada,
esgotou-se no cansaço da oferta em demasia.
Hoje apenas derramamos olhares descompromissados,
pois há tanto pra ver e tão pouco tempo,
e tanta fadiga em nossas retinas exauridas...
Sigo, portanto, carregando sobre a face
a minha reluzente máscara kabuki,
e todo o mundo há de crer ser esta expressão vazia,
estanque, torpe, imutável, sorridente,
legítima representante do que carrego em minha alma.
E sua verdadeira expressão? – perguntariam, então, os senhores...
Esta permanecerá eternamente escondida, sepultada,
ao longo de toda a minha existência,
condenada à constante iminência
do pranto impossível de ser consumado...

2 comentários:

Thaisinha... disse...

esta é a vil mascara que nos consome por longos tempo.

bem descrita.
gostei.

Anônimo disse...

lagrima pesada.
muito belo, aurora, muito belo.
beijos

marvin.